domingo, 15 de abril de 2012

Clepsydra - Camilo Pessanha

Para o DL desse mês eu pretendia ler um autor de língua portuguêsa das colonias orientais (particularmente Macau e Timor-Leste), mas apesar da língua, simplesmente não consigo achar nenhum livro de escritores como José Silveira Machado e Venceslau de Morais (de Macau), ou Fernando Sylvan e Luís Cardoso de Noronha (do Timor-Leste). É incrível a incomunicabilidade entre os países lusófonos, apesar de falarem a mesma língua... é mais fácil ter acesso a um livro de um escritor sueco que de um escritor de Macau.

Acho que quase todos conhecem Camilo Pessanha, que é um dos mais representativos escritores de língua portuguesa. Era leitura obrigatória na época que fiz vestibular, mas como nunca leio o que sou obrigado a ler deixei de mão. Ainda bem, pois ele é um escritor incrível.

Nasceu em Portugal, mas trabalhou e morreu em Macau, de onde escreveu a maior parte de seus poemas. Sua verdadeira inspiração também adquiriu em Macau: o ópio. Camilo Pessanha é um caso particularmente interessante, seu livro (Clepsydra) foi lançado enquanto o poeta ainda vivia, e o título foi por ele escolhido, mas nunca chegou a ler seu livro e nem ao menos sabia que poesias havia nele. Foi organizado por outra pessoa, e como o poeta só escrevia drogado, nem sabia ao menos o que escrevia. Como poeta da escola simbolista, é muito prório escrever drogado...

A morte e a alucinação são temas super recorrentes no livro, desde seu primeiro poema (Inscripção), que é um ótimo exemplo da poética do autor:
INSCRPÇÃO
Eu vi a luz em um paiz perdido.
A minha alma é languida e inerme.
Oh! Quem podesse deslisar sem ruido!
No chão sumir-se, como faz um verme…
O livro é dividido em duas partes: Sonetos e Poesias. Nos Sonetos, Camilo mostra-se um grande sonetista da língua, como se observa nesses dois sonetos:
Esvelta surge! Vem das aguas, nua,
Timonando uma concha alvinitente!
Os rins flexiveis e o seio fremente…
Morre-me a bocca por beijar a tua.

Sem vil pudôr! Do que ha que ter vergonha?
Eis-me formoso, môço e casto, forte.
Tão branco o peito!—para o expôr á Morte…
Mas que ora—a infame!—não se te anteponha.

A hydra torpe!… Que a estrangulo… Esmago-a
De encontro á rocha onde a cabeça te ha-de,
Com os cabellos escorrendo agua,

Ir inclinar-se, desmaiar de amor,
Sob o fervor da minha virgindade
E o meu pulso de jovem gladiador.
Quem polluiu, quem rasgou os meus lençoes de linho,
Onde esperei morrer,—meus tão castos lençoes?
Do meu jardim exiguo os altos girasoes
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiêsco!)
A mesa de eu cear,—tabua tôsca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
—Da minha vinha o vinho acidulado e fresco…

Ó minha pobre mãe!… Não te ergas mais da cova,
Olha a noite, olha o vento. Em ruina a casa nova…
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe… Não andes mais á neve,
De noite a mendigar ás portas dos casaes.
E em poesias se encontram algumas das mais famosas do poeta, como as belíssimas "Arcadas do Violoncelo"...

Para quem gosta dos poetas simbolistas, Camilo Pessanha fica entre os melhores, talvez melhor até que nosso Cruz e Sousa (alguns vão considerar isso uma blasfêmia). Sua poeticidade é vigorosa, seu estilo é bem definido, sua poética é formalmente rigorosa, com alguns tour de force que nos parecem bastante naturais. Enfim, um dos maiores poetas da língua portuguesa.

Nota do Elaphar: 9,6
Edição Lida: PESSANHA, Camilo. Clepsydra. Projeto Gutenberg, disponível em: http://www.gutenberg.org/cache/epub/3498/pg3498.html.

domingo, 8 de abril de 2012

Antologia do Conto Húngaro (Org. e Trad. Paulo Rónai)

Mais uma leitura para o Desafio Literário de 2012, e o tema desse mês é Escritor Oriental. ... Alguns devem estar se perguntando porque diabos escolhi uma antologia de contos húngaros como literatura Oriental se, como todos devem saber, a Hungria fica no centro da Europa,. ao lado da Áustria e outros países como a Romênia e Ucrânia. Lógico que não perguntei para a equipe do DL a validade de minha escolha (descaso esse que me faz pensar que um dia ainda vou ser expulso do desafio...), e agora vou explicá-la.

Questões como orientalidade vs ocidentalidade são muito defíceis de por um ponto final. Na resenha passada mostrei um desses problemas, mais próprio da poesia, que é a multiplicidade de vozes resultante de um processo tradutório. Outros problemas podem aparecer, no caso de um artista nascer em um lugar mas ser artisticamente de outro (como o caso do húngaro Lizst, que nem ao menos sabia falar a língua de seu país, ou no caso da nossa Clarice Lispector, ou no caso do poeta português Carlos de Oliveira, nascido em Belém), ou ainda mais grave é do autor possuir a influência de dois lugares distintos (como Nabokov, Beckett, ou Eliot)  ou até mesmo pertencer ora a um lugar, oura a outro (como o Vieira português e o Vieira brasileiro, ou o Stephan Zweig austríaco e o Zweig brasileiro, ou o Rilke alemão e o Rilke francês... etc...). O que tenho percebudo nas resenhas desse desafio é uma série de escritores nascidos em países do extremo oriente (principalmente Japão), mas que pertenceram de fato (socielmente, espiritualmente, linguísticamente e, por quê não, literariamente) a outro país, geralmente de lingua inglesa. Nacionalidade envolve muito mais que lugar de nascimento, não fosse assim não teríamos escritores alemães e austríacos nascidos em Praga ou na Romênia ou escritores brasileiros nascidos na Ucrânia.

Agora, o que tem a Hungria de oriental? Tudo e nada! Para que a escolha possa ser compreendida, deve-se tomar algumas lições de história, genética e linguísticas, e como estou meio sem tempo, vou resumir ao máximo. Todos devem conhecer as histórias dos Hunos, que foram um povo oriental (da região que corresponde a China e Mongólia) que fez o maior estrago no ocidente na Era Romana. Os magiares vieram junto com os hunos, e se estabeleceram no lugar (alguns Húngaros acreditam que os magiares são descendentes dos próprios hunos). Portanto, o povo magiar é um povo geneticamente oriental, e a língua húngara, apesar do alfabeto latino, é, como se é de esperar, também uma língua oriental, da família de línguas uralicas. Se considerarmos a teoria linguística das línguas uralo-altaicas, o húngaro é do mesmo tronco das línguas turca, japonesa, coreana e das diferentes línguas da mongólia (daí o fato de que em húnguaro o sobrenome é dito antes do prenome, no caso do tradutor seria Rónai Pál ['honai 'pa:l], abrasileirado para Paulo Rónai). Portanto, os Húngaros são etnicamente e linguísticamente provenientes da Asia, porém deslocados ao centro europeu onde possuem um sério conflito identitário entre oriente e ocidente. Por um lado tentam preservar a sua cultura, por outro a aspiração ocidental. Conhecer a cultura, a história e a literatura da Hungria é conhecer o cerne do problema Ocidente/Oriente.

E convenhamos, a história da Hungria é uma das mais poéticas do mundo: povo oriental vivendo em meio a uma cultura estranha, cristanizada à força, esmagada politicamente pela Áustria, posteriormente pela Alemanha e supostamente libertada pela URSS, o que fez uma série de chagas nesse povo. Diga-se de passagem, alguns dos melhores contos desse livro relatam direta ou indiretamente o conflito identitário entre ocidente e oriente, ou os conflitos políticos e incoerência social.

O número de contos nesse livro é bem grande (30), tanto quanto as variedades de temática e estilo, o que torna muito difícil falar sobre todos eles. Ainda assim vou tentar ao menos escrever uma linha sobre cada conto. Os autores estão em ordem cronológica de nascimento, e é curioso que os últimos escritores morreram praticamente todos no mesmo período (1944-1945), no final da ocupação nazista.


O primeiro escritor é um representante do romantismo literário, e seu conto (Divertimento Forçado) é interessante por mostrar a pretenção da nobreza húngara ao ocidentalismo, já que o barão (personagem principal) mistura locuções francesas e abusa de galicismos no seu discuraso, e apesar disso, acaba entrando em contato com um ambiênte completamente húngaro, diferentemente do ambiente nobre que era mais propriamente parisiense ou vienense. Provavelmente  o autor não tinha em mente esse conflito ocidente/oriente como ponto importante da sua obra, diferente de Ady Endre, que é bem posterior, que em seu conto intitulado Chabachef, O assassino relata um homem que é dois, um Ocidental parisiense e um Oriental tradicional, sendo que um desses homens faz coisas que o outro jamais sonharia; é uma narrativa que todos deveriam ler.

Os dois contos de Mikszáth Kálmán são de ordem cômica e irônica, mas demonstram um grande conhecimento do interior dos seres humanos. O primeiro conto é uma resposta à teoria literária (não sei por que quase todo escritor odeia os críticos literários), enquanto o segundo  é uma divertida história tragicômica de um médico tentando convencer um paciente a amputar seu braço para sobreviver; pode parecer frívolo, mas a narrativa é muito divertida, profunda e bem construída. Gárdonyi Géza aparece na antologia com dois contos bastante diferentes, um mais mítico-alegórico, o outrocom uma carga de significado maior, e ambos bem diferentes, aparentemente, do que seria o estilo normal do escritor em seus romances históricos O Homem Invisível e Estrelas de Eger. Szomory Desö é talvez o mais ocidental da coletânea, mas não o único, e é um tanto tagarela; seu conto definitivamente não me cativou.

Heltai Jenö é um escritor alegre e também um tanto sombrio, que viveu muitos anos. Apesar dos dois contos dele serem bons (particularmente o A Morte e o Médico), não chega a ser um escritor genial, além de sua personalidade ser fraca; é muito francês, e infelismente, inferior à muitos franceses também. Ady Endre é dos maiores escritores húngaros, e seu conto, como já foi dito, merece grande destaque por retratar com genialidade o conflito oriente/ocidente dentro da sociedade húngara. Krudy Gyula é uma grata surpresa nesse livro, seu conto Uma das Histórias do Soldado Raso Harras Rudolf é incrível, e um anacronismo moderno que deveria colocar esse entre as pérolas da contística mundial; é talvez o melhor conto da coletânea.

Os dois escritores que se seguem (Molnár Ferenc e Móricz Zsigmond) mostram mais profundamente o homem húngaro, particularmente o despossuído. Zsigmond é o melhor dos dois, e seus 3 contos são obras primas, de um naturalismo moderado e bem estruturado. Bárbaros figura entre os melhores contos do livro. Podemos compreender muito da cultura do país por estes contos, e essa cultura nos parece muito antiquada, ao nosso olhar ocidental, o que mostra um grande atraso da chegada do mundo "capitalista ocidental" em algumas regiões da hungria, que mais parecem feudos medievais, ao mesmo tempo que as grandes cidades parecem uma nova Viena.

Bíró Lajos é um escritor original e interessante, mas seu conto fica meio apagado em relação a outros do livro. Kaffka Margit é a única mulher do livro, e ainda por cima descendente de tchecos. Seu conto fala da pobresa melancólica, sem perspectivas, enquanto o humorista Kosztolányi Desö já é bem mais otimista, apesar de sarcástico e irônico, e aparece com cinco contos na antologia, todos eles aparentemente sem um foco na narrativa, mas na em uma ideia ou concelho, quase uma coda em seus contos. Destaque para Auréola Cinzenta e Aventura Búlgara.

Szép Ernö é dito como intraduzível, e o próprio tradutor diz que escolheu um conto que não é dos melhores de sua produção em respeito à "impossibilidade" de verter outros. Apesar de tudo, seu conto Murglics mostra-se de qualidade.

Karinthy Friges é escritor alegre, outro humorista, e até satirista, e seus três contos se mostram muito agradáveis de se ler. Molnár Ákos tem como biografia uma das histórias mais comoventes do livro, mas seu conto é um tanto alegre (apesar de que não deveriamos rir) e, junto de Pap Károly (também morto no ódio nazista) escrevem dois dos contos mais bem realizados do livro (Um Almoço e Música, respectivamente). Mais do que a qualidade literária, a temática dos interesses e opressão, além de exploração em diferentes esferas, são os temas dos dois contos, sendo o primeiro uma narrativa do chefe em relação aos empregados, que devido uma incompreensão é quase anedótico, e o segundo mostra a exploração familiar, que faz um pai querer, sem sucesso, vender o filho por álcool. Os dois contos através do riso da situação mostram graves incoerências e atrocidades da sociedade. Ambos figuram entre os melhores contos. Mesmo valor social possui o conto de Gelléri Andor Endre, que poderia muito bem ser escrito no Brasil sem problemas.


Os dois contistas e contos que faltam (O Criminoso de Márai Sándor e Madelon, a cachorra de Szerb Antal) são de grande valor literário, mesmo sem ser propriamente sociais ou propriamente "húngaros" (no sentido nacionalista). O criminoso recebe destaque devido ao trabalho metalinguístico e bom aproveitamento dos clichés da literatura policial, e como paródia do gênero é a mais bem realizada que conheço.

Por fim, o que posso dizer sobre a edição? 3 dos maiores nomes das letras nacionais assinam esse livro: Paulo Ronai (organização, estudo, tradução e notas), Guimarães Rosa (introdução) e Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira (revisão); ou seja, não se pode reclamar de nada. É um trabalho feito com amor, e a capa, apesar de simples, exemplifica muito bem a "alma" do livro. Os problemas do livro são só os que são comuns à toda antologia e à todo livro de uma língua muito diferente da nossa: a diferença da qualidade dos textos, a apresentação do escritor por "amostragem", na maioria das vezes imprecisa, a vontade de querer ler mais do mesmo autor e saber que não possui nada ou dele publicado (dos escritores aqui presentes só sei do livro Os Meninos da Rua Paulo de Molnár e O Homem Invisível de Gárdonyi publicados no Brasil), e, por fim, a dificuldade de pronunciar, e por conseguinte memorizar, a maioria dos nomes próprios.

Recomendadíssimo, apesar de difícil de achar, é um livro indispensável para se ter em casa.

Nota do Elaphar: 9,8
Edição Lida: RÓNAI, Paulo (org). Antologia do Conto Húngaro. tradução e notas de Paulo Ronái. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1958.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Songs of Li-Tai-Pé from the Cancioneiro Chinês of Antônio Castro Feijó - Trad:Herbert Stabler

Para o DL 2012 resolvi ler esse livro, que é no mínimo um caso bizarro, que põe em dúvida algumas questões de autoria ou orientalidade. A primeira coisa que chama atenção é que, se o tema do DL é escritor oriental, por quê o nome de Antônio Castro Feijó, notável parnasiano português,  está na frente, ao lado de Herbert Stabler, como autor do livro? O caso é um tento complicado, já que, na verdade, o livro contem uma tradução inglesa de poesias chinesas da disnastia Tang, mas não uma tradução direta, mas sim uma tradução e recriação portuguêsa de Feijó, que por sua vez leu as poesias chinesas através de Le Livre de Jade de Judith Warton, que traduziu com auxilio de um chinês poesias para o francês; ou seja, essa é uma tradução inglesa da tradução brasileira da tradução francesa de poesias chinesas.

A literatura chinesa é, provavelmente, a mais rica do oriente, e talvez a mais rica do mundo, ao menos em verso (em prosa os povos semíticos ganham em tradição e qualidade). A dinastia Tang é das mais ricas, e é engraçado que a china também possui uma das mais antigas tradições de poetisas (ou poetas mulheres, se preferir), possuindo um volume monumental de produção feminina em versos.

Quanto à tradução, há muito mais atás desse simples ciclo de traduções sucessivas. Primeiro deve-se ver a importância que teve o Livre de Jade de Judith Warton (que lerei em breve) ne história da poesia ocidental. Um dos ideais do parnasianismo era o exotismo, e uma das formas de tê-lo era aproveitando temáticas orientais. A poesia, arte e povo chinês foi estremamente sedutora aos poetas da época, e o Livre de Jade foi um dos grandes responsáveis pelo conhecimento ocidental da poesia chinesa. Para se ter uma idéia, no brasil muitos poetas e prosadores falaram sobre a china e/ou a citaram em seus escritos, dentre eles Bilac, Raimundo Correia e até Machado de Assis (que traduziu alguns poemas do Livre de Jade).

Aí chegamos em Feijó. Como bom parnasiano que era, também ficou tentado a usar a china em sua obra poética, e assim como Machado de Assis, traduziu uma série de poemas do Livro de Jade, mas ao invés de apenas colocar como uma parte de um livro, lançou um livro inteiro com essas recriações. É importante mencionar que a ideia de tradução para esses poetas é muito diferente da que muitas pessoas tem: a tradução é um processo criador, onde fidelidade textual e até formal pouco importa comparado à expressão poética. Tanto Machado de Assis como Castro Feijó fizeram dessa poesia oriental uma parte de sua própria obra poética e filosofia poética, e é muito difício dizer até que ponto essas poesias continuam "chinesas" ou passam a "portuguesas". Isso sem contar o fato de que essas poesias passaram por quatro mãos (o poeta chinês, Judith Gautier, Feijó e o tradutor inglês Stabler).

As diferenças entre os textos é tão gritante que, por exemplo, a poesia "The Mandarin's Wives" é composta de 3 estrofes, cada uma com a voz de uma esposa do mandarim, enquanto na versão francesa de Judith o poema é "Les Trois Femmes du Mandarin" e possui quatro parágrafos, os três primeiros com as vozes das três mulheres  (a esposa, a concubina e a criada, não mais 3 esposas) e no último a voz do próprio mandarim. Mais interessante é perceber a diferença entre as descrições, como se pode perceber no seguinte trecho:
Comes an Hour, half sad, half sacred,
The Humming Birds flutter by,
Giving the Lips of the Flowers,
A tender Caress as they fly.

In the distance, his Skiff not moving,
The Fisherman, sunbronzed and tall,
Breaks the lake's silver surface,
As he draws in his Net with is haul.
    Li-Tai-Pé - The Fisherman

C'est le moment où les papillons poudrés de soufre appuient leurs têtes veloutées sur le coeur des fleurs.
Le pêcheur, de son bateau immobile, jete ses filets qui brisent la surface de l'eau.
    Li-Tai-Pê - Le Pêcheur
Percebe-se claramente a diferença de tom, linguagem até mesmo de descrições (que são mais frequentes na tradução inglesa, por ser bem maior que a versão francesa) e até mesmo na imagem e significação.

Eis aí o maior problema deste livro. Entendo que foi escrito para possuir uma significação isolada dos textos que deram origem a essa versão, mas o problema é que esse livro é fraco. A versão de Judith aparentemente (não a li, mas sei que foi feita em prosa) perde em poeticidade, e essa, apesar de ser em verso, não a ganha. Os poemas "chineses" que aqui aparecem se parecem mais um arcadismo ralo, só que sem pastores e ovelhas (mas mantendo as flores e as flautas).

O livro é dividido em 4 partes: Primavera, Verão, Outono e Inverno. As duas primeiras são completamente maçantes, com aquele mal lirismo de nosso arcadismo. O outono e inverno são melhores, mostrando um pouco mais os elementos que já conhecia da poesia chinesa. Diferente do que o nome sugere, não contém apenas poemas de Li-Tai-Pé, mas de vários outros poetas da dinastia Tang, entre eles Tu-Fu, meu favorito. Enfim, é um livro curto (apenas 24 poemas e um longo prefácio, totalizando umas 70 páginas) mas que não vale tanto a pena ler. Talvez a versão em portugês seja melhor, mas duvido!

Acho desnecessário mostrar exemplos de poesias, já que estão em inglês e o livro está em domínio público, assim como acho inútil traduzir (ou melhor, retraduzir) já que o texto já é uma tradução do português, que não pude encontrar.

Nota do Elaphar: 7,2
Edição Lida: FEIJÓ, A.C; StTABLER, J.H; Songs of Li-Tai-Pé from Cancioneiro Chinês. An intrepretation of Portuguese by Jordan Herbert Stabler. New York: Madison Square Press, 1922.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Diário de Prisão - Ho Chi Minh

O tema do Desafio Literário do mês de Abril é Escritores Orientais. Oa que parece, os escritores orientais seriam, ao ver da equipe do DL apenas os escritores do Extremo Oriente e Sul da Asia. No momento vou usar um autor menos polêmico, que é Ho Chi Minh, do Vietnã, e um livro escrito em chinês. Existe alguns problemas gerais para se definir a "orientalidade" de certos escritores, entre eles a língua e a cultura, mas isso é ainda mais problemático. Apesar da equipe do DL restringir claramente os textos de povos do Oriente Médio, vou recusar a seguir essa exclusão devido critérios que falarei mais adiante. No entanto, o momento agora é de falar desse vietnamita que escreveu em chinês.

A própria história da gênese desse livro é interessantíssima. Ho Chi Minh era um revolucionário do Vietnã e um dos maiores comunistas de seu tempo, e foi preso na China durante um tempo por querer falar com o Mandarin. Durante sua estada na prisão escreveu em Chinês, já que se escrevesse em sua língua chamaria atenção dos guardas, um diário contando o que via e o que passava na prisão. O interessante desse diário é que é escrito em versos, num tradicional verso chinês, que perdeu, lastimavelmente, toda a sua forma e graça na tradução. A tradução é, além de fraca, de segunda mão, ou seja, traduzido do inglês, provavelmente de uma tradução tão fraca quanto.

Os versos são de vários tipos: alguns são confessionais, outros filosóficos, outros líricos e paisagísticos, outros pequenos quadros do quotidiano da prisão. Mas todos mostram uma vida desumana e monstruosa privada da liberdade, além do temperamento do poeta, que é calmo e de mente equilibrada. Um desses poemas tem muito destaque (Jogo de Palavras), pelo trabalho com a própria linguagem e ideologia que é feito, que foi perdido totalmente na tradução, e o que resta é apenas uma explicação do poema.

Esse é um livro que me faz ter vontade de aprender Chinês para poder lê-lo e quem sabe traduzí-lo. A tradução não é boa, mas o livro sim, apesar de perder sua poeticidade, ainda mantém parte de sua substância, a descritiva e ideológica. Pouco se pode falar sobre esses versos. O que me resta é mostrar algumas poesias desse livro.
A RAÇÃO DE ÁGUA
Cada um de nós tem como ração meio jarro de água
Para o banho ou para ferver o chá, conforme o gosto:
Se você quer lavar o rosto, não terá como preparar o chá:
Se quer tomar seu chá não poderá lavar o rosto.
 JOGO
Lá fora, as pessoas que jogam são presas,
Mas uma vez na prisão, podem jogar o quanto quiseres;
Assim, é claro, os presos sempre lamentam:
"Por que não pensei antes em vir para cá?"
MORTE DE UM HOMEM PRESO COMO JOGADOR
Nada mais restou dele senão ´pele e osso.
Miséria, frio e fome foram seu fim.
Na última noite ele dormiu perto de mim,
E hoje de m,anhã partiu para o país das Nove Primaveras.
 NOITES INSONES
Através de infindas noites, quando o sono se recusa a vir,
Escrevo mais de cem poemas sobre a vida na prisão.
Ao final de cada quadra, deixo de lado meu pincel,
E através das grades olho para o alto, para o céu livre.
Nota do Elaphar: 8,2
Edição Lida: Diário de Prisão de Ho Chi Minh. Introdução de Harrisson E. Salisbury. Prefácio de Phan Nhuan. Rio de Janeiro: Difel, s/d.
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