terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Pequena Fadette - George Sand

Nunca ler e resenhar foi uma missão tão difícil, principalmente porque estou abarrotado de livros para ler em tempo récorde e porque tenho dois trabalhos de pesquisa para apresentar na UFPA em bragança (o primeiro sobre o romantismo alemão na literatura e na música nos dias 25, 26 e 27; o segundo sobre literatura e história em Lindanor Celina entre o dia 1º e 4º). Mas estou firme e forte, resenhando mais um livro.

A primeira coisa a falar é que o senhor George Sand que a ssina o livro era, na verdade, a Mme. Aurore Dupin. Como naquela época ser mulher era extremamente difícil, ela tinha de assinar seus livros com um nome masculino. Claro, ela também se vestia de homem e se comportava como um para frequentar os lugares públicos com mais liberdade, mas isso é mais uma das muitas anedotas de sua vida particular (e acreditem, são muitas), como o fato de ter tido relacionamentos amorosos com Musset e Chopin. Sand é considerada uma das primeiras escritoras feministas, e escrevia em escala industrial (mais de 100 obras publicadas). Sempre que precisava de dinheiro, Sand escrevia, mas isso não afetou a criatividade de sua obra.

As personagens principais dessa obra são os gêmeos da bessonière Landry e Sylvinet Barbeau, e não Franchon Fadet (a pequena Fadette) como sugere o título, mas esta é uma personagem muito importante na história, além de ser a melhor personagem do livro. Os gêmeos têm uma ligação quase doentia entre si, em especial Sylvinet, que é ciumento e possessivo para com o irmão. Landry e Sylvinet cresceram extremamente mimados e unidos, e qualquer separação ínfima de ambos é extremamente dolorosa, mas Landry consegue se adaptar fazendo novos amigos, enquanto Sylvinet é uma pedra no sapato.

Fadette é odiada por todos, seja por sua pobreza, seja por sua aparência, seja pelo seu comportamento, seja pela sua fama de bruxa. Cresceu nas piores condições possíveis, sem mãe e com uma tia que aparentemente a odeia. Seu comportamento é pouco exemplar, porém justificado e livre. Até que começa a entrar em contato com Landry, e, esse contato, a princípio, hostil, acaba por gerar uma história de amor, no mínimo, peculiar.

Esse livro não é um daqueles típicos romances água-com-açucar, mas é um romance rico. As características históricas e culturais do livro encantam um estudioso ao mesmo tempo que despertam a curiosidade de leitores comuns. A narrativa é muito bem manejada, e, embora pareça monótona e cansativa no início do livro, torna-se interessantíssima (embora com um certo nível de previsibilidade) do meio para frente. Esse livro é um livro que merece ser lido por todos, e para todas as idades.

Como o que é bom sempre falta, George Sand vêm recebido um descrédito durante os ultimos anos, tendo muitas traduções e edições antigas mas pouquíssimas atuais. Por coincidência, o único livro disponível comercialmente da autora, nos dias de hoje, é justamente A Pequena Fadette, editado pela Editora Barcarolla e traduzido por Mônica Cristina Corrêa em 2007. Não conheço essa edição, mas faço uma crítica à Editora, que afirma em sua página ser a primeira a traduzir integralmente e diretamente esse livro (que era muito publícado em adaptação infanto-juvenil, o que não aprovo), o que é falso. Há uma tradução mais antiga (1957) publicada pelo Clube do Livro de São Paulo em tradução de José Maria Machado, que só pode ser achado em sebos (assim como toda obra da autora) e muito raramente. Há uma série de adaptações infanto-juvenis, mas a edição que li foi a do Clube.

Minha edição é velha e com uma qualidade de papel ruim, além da linguagem arcáica (de 57) e uma capa que não gosto muito. O prefácio é praticamente inútil, além da linguagem cheia de lugares-comuns, entretanto, o conteúdo de texto é excelente, e pelo meu desconhecimento da qualidade da edição da Editora Barcarolla, ainda continuo indicando essa edição, que é bem feia (mas, como diz o ditado, não julgue um livro pela capa).

Nota do Elaphar: 8,8

Edição Lida:
SAND, George [Amadine Aurore Dupin]. A Pequena Fadette. Trad: José Maria Machado. São Paulo: Clube do Livro, 1957, 179p

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Estrangeiro - Albert Camus

Mais uma vez Camus, filósofo e escritor existencialista, amigo (e posteriormente ex-amigo) de Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir. O Estrangeiro é a obra mais conhecida do escritor (e recordista de vendas em versão de bolso na França), entretanto, diferentemente de A Queda, esse livro não se trata de um livro filosófico.

O livro narra a história de um argelino chamado Meursault, e é narrado pelo próprio personagem. O tempo da narrativa é posterior a diegese, entretanto, a distância temporal narrativa-diegese não é muito grande, e ambos os tempos são mutáveis. A história se inicia com a morte da mãe, e, sem demonstrar nenhuma reação exasperada, Meursault vai até o asilo, onde a vela e a enterra. No outro dia, Meursault começa um relacionamento com uma moça atraente chamada Marie. Depois vai trabalhar. Até esse ponto, percebemos que a morte da mãe não mudou em nada a vida do protagonista.

Os acontecimentos que se seguem envolvem os visinhos, e dentre eles Raymond, um proxeneta e afirma ser negociante, e Meursault é envolvido por uma série de situações que lhe são alheias, mas que devido à organização delas, acaba matando um árabe. A segunda parte se passa após o assassinato, onde o personagem está na cadeia, e há os inqueritos, defesa, julgamento e posteriormente a condenação à morte.

Muita coisa do perfil de Meursault chama a atenção, entre elas as suas respostas para tudo (que é basicamente um "Tanto faz" ou um "não sei"). O comportamento do protagonista é interpretado pela crítica como o de alguem completamente alheio a tudo o que narra e um ser desprovido de sentimentos. Eu, pessoalmente, discordo da opinião crítica.

Acho Meursault um ser humano pleno, e não acho que ele está completamente alheio ao que narra. Muito pelo contrário, acho que ele está sempre incluso dentro do que narra (embora muitas vezes deslocado, como um estrangeiro), porém de uma forma especial. A narração de Meursault não é completamente desprovida de sentimentos e impressões pessoais, apenas alguns sentimentos e impressões não se fazem presentes, e essa falta ínfima nos dá a impressão de que todos os outros faltam. O livro não é absurdo, mas sim muito natural, e por toda essa naturalidade, acaba aparentando-se absurdo. É um paradoxo que é muito bem aproveitado pelo escritor.

O último capítulo da 2ª parte é um caso bem especial. Esse capítulo é simplesmente fantástico e diferente de todos os outros capítulos do livro. Não me sinto apto, hoje, de comentar a grandeza dessas 10 páginas que estão dentro e fora do livro, pois tudo que disse antes (sobre Meursault e o natural-absurdo)  não se aplicam nesse pedaço do livro. Fica a critério dos leitores se exprimirem à respeito.

Tentei primeiro ler esse livro em francês, mas não consegui, então apelei para uma tradução. A tradução de Rumjanek (Record-BestSeller-BestBolso) é muito bem escrita, e confio nela. Quanto à produção gráfica, gosto da edição da BestBolso, que é um exemplo de qualidade em livros de Bolso, exceto pela capa, que é muito fina. A produção gráfica da edição da Folio da Galimard é tão ruim que não vale nem a pena ser comentada, desde o papel, capa, fonte e tetc..

Nota do Elaphar: 9,5

Edição Lida:
CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Trad: Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, 110p. (Edições BestBolso, 172)

Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar

Vive la France! É por puro acaso que vou resenhar uma série de livros de escritores franceses em uma quantidade curtíssima de tempo (se bem que... Camus é argeliano e Yourcenar é belga...), dois do Desafio Literário e três outros que já tenho a resenha preparada. Os livros são os seguintes: Memórias de Adriano de Margarite Yourcenar, O Estrangeiro de Albert Camus, Resistência de Agnès Humbert, A Mulher Desiludida de Simone de Beauvoir e A Pequena Fadette de George Sand. Juro que não foi de propósito. Não tenho uma preferência especial por franceses. De qualquer forma, vou ter que correr muito para conseguir botar tudo isso ainda em Fevereiro.

Sobre a autora: Marguerite Yourcenar é uma escritora belga que têm uma paixão pelas letras clássicas. Aprendeu latim aos 8 anos e grago aos 12. Foi eleita em 1980 para a Academia Francesa de Letras, sendo a primeira mulher a assumir uma cadeira nessa instituição. O que no final das contas, não faz a menor diferença. Sua obra não será melhor ou pior se for da Academia ou não.

O livro Memórias de Adriano não é, a rigor, um livro de memórias. É literatura, entretanto, embasada biograficamente e em um tom memorialístico. O livro é um relato em primeira pessoa do imperador romano Adriano. Mme Yourcenar apaga-se e escreve a história de adriano sob o ponto de vista do próprio imperador.

Achei, a princípio, extranha a escolha da autora por escrever sobre (e como) um dos imperadores romanos mais desconhecidos. A única coisa que eu sabia sobre Adriano era que ele lutava pela paz, e, paradoxalmente, varreu a Judéia do mapa. Entretanto, após a leitura do livro, consigo compreender a como a escritora foi feliz.

A parte mais interessante da vida do imperador são os pormenores de sua vida pessoal, mais do que grandes acontecimentos (no sentido histórico). Aí podemos perceber como a criação desse livro é uma tarefa de pesquisa e criatividade infinita, pois, trata-se de uma recriação com base em tudo o que é conhecido da época. Ao final do livro aparece bem esclarecido o que é factual do livro (com todas as referências) e o que é criação ou leve alteração do que se conhece, e o porque de estar no livro. Apesar de todo esse rigor técnico e biográfico, o livro não é um tratado histórico da época, e sim um texto belo e rico em narrativas e poeticidade.

Há nesse livro uma série de acontecimentos, desde a infância de Adriano até sua terrível doença. Muito acontece, e há o reinado de Nerva e Trajano antes de seu reinado, e há uma série de conflitos, campanhas, intrigas e costumes da época representados no livro. Alguns episódios chamam muito a atenção, como o da morte de Trajano, do tratado de paz com os Partos e a vida e morte de Antínoo. Mais interessante que qualquer episódio do livro é, por certo, o pensamento de Adriano, quanto aos costumes, pessoas e casos. Isso é o maior charme do livro.

Essa obra monumental é rica, interessante e bela, entretanto, sua maior qualidade é também seu maior defeito. Por ser "monumental" e "vasta", acaba cansando algumas vezes (não muito, devido a beleza e por ser uma narrativa rica), e isso acaba atrapalhando um pouco. A linguagem não chega a ser difícil, mas também não é uma linguagem básica de um Dan Brown, Meyer ou Paulo Coelho; é uma linguagem bem trabalhada e sofisticada. O número extenso de personagens e cenários obriga-nos, algumas vezes, a retroceder no texto ou consultar alguma nota (para quem tem o hábito de ler tomando nota), entretanto, a linguágem do texto nos obriga (com prazer) a voltar no tempo. A tradução de Marthe Calderaro torna esse livro um excelente livro em língua portuguesa; trabalho de uma tradutora apaixonada pelo ofício e pela obra. A produção gráfica da Nova Fronteira não deixa a desejar, o que é uma grande qualidade dessa editora como um todo. A ultima dica é: leia esse livro com calma e criticidade, mas também com paixão.

Essa resenha faz parte do Desafio Literário. Para conferir a minha lista do desafio clique aqui. Para conferir a lista de Fevereiro Clique aqui. É extremamente fácil achar esse livro em qualquer livraria ou sebo, além de estar disponível em duas coleções: 40 livros da Nova Fronteira e Coleção Folha da Folha de São Paulo.

Nota do Elaphar: 9,0

Edição Lida:
YOURCENAR, Marguerite. Memórias de Adriano. 5ª Ed. Trad: Martha Calderaro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, 334p. (Coleção Grandes Romances)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Dia do Curinga - Jostein Gaarder

Hoje achei, por acaso, uma antiga redação sobre o livro "O Dia do Curinga" do escritor Norueguês Jostein Gaarder. Escreví-a para uma aula de literatura e redação do meu 3º ano em 2007, com apenas 15 anos de idade. Colo aqui minha redação-resenha na íntegra sem nenhuma correção gramatical e de concordância. Não espantem o estilo, pois, é de alguem ainda não familiarizado com a crítica literária e estilo de escrita, entretanto, já apaixonado pela leitura.
O Dia do Curinga conta a historia de um rapaz de 12 anos chamado Hans-Thomas que está viajando pela Europa com seu pai em um Fiat procurando pela mãe, (esposa do pai) que quando ele tinha quatro anos, saiu de casa e foi para algum local da Europa. Na viagem, param em uma bifurcaçao da estrada, onde havia um posto de gasolina de uma só bomba, e um anão os atende. Este anão indica para eles o caminho mais comprido, pois faz um desvio até uma cidade chamada Dorf.

Antes do pai e Hans Thomas irem, o anão dá a Hans uma lupa que parecia ter sido feita com um caco de vidro grande. Em Dorf, o pai pára em um bar para beber a "aguardente de Dorf" e Hans passeia pela cidade e encontra um aquário na vitrine de uma padaria do qual falta um pedaço do mesmo tamanho do vidro que tinha na lupa.

Ao ver que Hans tinha a lupa, o padeiro convida-o para entrar, lhe serve um refrigerante de cereja e lhe dá um saco com cinco pãess. Ele fala para Hans comer o maior pão apenas quando estiver sozinho.

Depois disso Hans e seu pai vão dar um passeio pela floresta e eles comem os pães exceto o maior que Hans esconde no bolso, comendo-o mais tarde, à noite. Ele encontra um livro um pouco maior que uma caixa de fósforos dentro do pão e lê o livro de letras minúsculas usando a lupa que lhe fora dada.

O livro conta a história do padeiro que dera os pães a Hans Thomas: um ex-soldado que virara padeiro (que na verdade é Ludwing Messer, avô de Hans Thomas), que conta a história de seu mestre, Albert, que conta por sua vez a história de seu mestre, Hans (não é Hans Tomas, trata-se de um nome popular). Este último fala de sua vida: era um marinheiro quando naufragou e conseguiu nadar até uma ilha.

A partir deste ponto do livro se inicia o jogo do curinga.

O navio de Frode naufraga e ele fica anos e anos sozinho na ilha, apenas com um baralho para lhe fazer companhia. Ao longo dos anos o baralho se desgasta a ponto de ficar quase impossível distinguir uma carta da outra. Frode conversa com suas cartas em sua imaginação. Ele imaginava cada uma de um jeito, embora todas as cartas fossem anãs. O Ás de Copas era lindo como o Sol. O Rei de Espadas era impaciente. Três de Ouros chorava por qualquer coisa e assim por diante.

Um dia, perambulando pela ilha, Frode vê Valete de Espadas e o Rei de Copas andando, exatamente como ele havia imaginado, então Frode convive alguns anos com as cartas, porém, todas tinham um pensamento muito limitado: Os de Paus mexiam com agricultura e cultivo de terras. Ouros sopravam vidro e faziam belas artes. Espadas faziam móveis e Copas faziam Pães.

Aí sim, Hans naufraga e cai na ilha. Ele se espanta muito, achando que é uma ilha para tratamento de doentes mentais, pois todos dizem ser Ás de Paus, Três de Espadas, Nove de Copas. Hans encontra Frode, e ele lhe explica tudo sobre a ilha. Frode diz que no início, os anões (ou as cartas) eram pouco inteligentes. Porém, Frode descobriu uma mistura com pólen de algumas flores chamada Bebida Púrpura. Tal bebida era deliciosa, a melhor coisa que poderia se provar, porém destruía a inteligência das pessoas e anões.

Os anões nao souberam usá-la e a bebiam como água, tornando-se seres que não conseguem evoluir mentalmente. Por exemplo, Ouros sopravam vidro, não havia ninguém melhor, mas nunca aprenderiam a fazer um Pão. Então Frode fala a Hans sobre a festa do Curinga que iria acontecer no dia seguinte e que marcava a passagem de ano do "Rei de Copas" para o Ano do Curinga Porém, o total dava 364 dias e o ano tinha 365 dias, então, este era o Dia do Curinga.

As cartas, a pedido do Curinga (o Curinga era inteligentíssimo, pois não consumira a bebida cintilante púrpura) tinham de pensar em uma frase e no dia do Curinga elas declamavam suas frases no baile do Curinga. O Curinga organizava as cartas e em ordem cada uma declamava sua frase.

O Curinga organiza as cartas a partir de freses. Essas frases formam uma história, uma história que vai desde o naufrágio de Frode à criação das cartas, até o ponto em que Hans Thomas encontra sua mãe.

E a história diz que Frode morrerá na mão dos anões. Ao fim da história, eles ficam sabendo que Frode os havia inventado e o matam por ter mentido e escondido isto deles. Fala também que a ilha era basicamente a imaginação de Frode e, aos poucos, ela começa a se destruir. As cartas voltam a ser cartas, Hans recolhe-as e foge da ilha com o Curinga.

Ao chegarem na Europa, o Curinga desaparece. Hans levara da ilha uma caixa com as cartas de Frode, uma garrafa contendo a bebida púrpura e um saco com água cheio de peixinhos da ilha: peixes coloridos em todas as cores do arco-íris, cada uma com a sua.

Hans vai para um povoado distante, chamado Dorf. Lá abre uma padaria e um dia um soldado de vinte e poucos anos bate em sua porta. Isto já estava previsto no jogo do Curinga.

Cinqüenta e dois anos se passam e chega o ano do Curinga novamente (são 52 cartas no baralho, 53 com o curinga).

Hans está velho, e conta a Albert o segredo da ilha. Lhe dá uma pequena quantia da bebida púrpura e morre, deixando a padaria na mão do soldado. E o mesmo acontece. Albert, 52 anos depois passa o segredo a Ludwig, o padeiro que dera os pãezinhos a Hans Thomas. Hans Thomas encontra sua mãe em Atenas, que em grego escreve-se Atina, que lido ao contrário, significa Anita, o nome de sua mãe.

Hans Thomas está quase terminando de ler o livro. Porém, o padeiro Hans havia se esquecido de algumas frases do jogo do Curinga. Na última página do livro, o padeiro que dera os pãezinhos a Hans Thomas recebe uma carta do Curinga, falando de todas as frases do jogo.

Hans Thomas decifra o enigma e descobre que o anão que lhe dera a lupa era na verdade o Curinga, pois ele não envelhecia, nem sangrava, nem se machucava. Descobriu também que o homem que lhe dera o pãozinho era seu avô paterno, que nem seu pai conhecia, nem o padeiro sabia que tinha um filho.

Hans Thomas não suporta guardar o segredo da ilha e fala a seus pais sobre o livrinho. Eles não acreditam. Hans Thomas vai ao carro pegar o livro para eles verem, porém o Curinga entra no carro (mesmo com as portas trancadas) e rouba o livro. Hans Thomas fala a seu pai sobre seu avô paterno, e mesmo sem acreditar, eles fazem um desvio para Dorf.

Ao chegar lá, eles encontram a avó paterna de Hans Thomas, que diz "ele faleceu pela manhã". Então Hans Thomas é tomado pelo desespero e eles voltam para sua casa na Noruega e o livro acaba basicamente com Hans Thomas filosofando, falando que passará o resto da sua vida procurando pelo Curinga, que nunca encontrou, e dizendo que se um dia você vir um homem de baixa estatura com um largo sorriso, com guizos por toda a roupa e dando cambalhotas em perfeito equilíbrio, não esqueça de perguntar a ele "Quem somos? De onde viemos?".
 Tá legal! Hoje me envergonho um pouco de um texto tão mal escrito, entretanto, me orgulho dessa paixão pela leitura. Em breve (quem sabe), posso fazer uma nova resenha desse livro maravilhoso, de forma mais tecnica e observadora, porém não menos apaixonada. E é impressão minha ou isso é mais um resumo do que uma resenha?

Nota do Elaphar: 9,5

Edição Lida:
GAARDER, Jostein. O Dia do Curinga. 25ª reimpressão. Trad: João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, 378p.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Maldição de Babel

As distâncias linguísticas são um terrível desafio para o conhecimento cultural global, e em particular na literatura (que é feita, basicamente, por palavras), a maldição de Babel mostra todo o seu terror. Não é extranho que quase não há nas livrarias brasileiras livros de escritores persas, húngaros, estonianos, nórdicos, sérvios e da Nova Zelândia por exemplo? Alguns países possuem poucos escritores conhecidos e publicados em nossa terra, como Suécia, Suíça e Noruega, entretanto, muitos grandes escritores e livros estão confinados nesses países e não chegam a nós.

Pensando nisso, fiz em dezembro uma espécie de catálogo inicial de grandes obras e escritores (Literatura, Filosofia e Crítica) que não viram a luz em nosso idioma ou possuem livros que precisam ser traduzidos. O catálogo inicial de dezembro continha 18 autores e mais de 80 livros, dentre eles algumas faltas inaceitáveis como Um Herói de Nosso Tempo de Lermotov, A Farsália de Lucano, Mario und der Zauberer de Thomas Mann, The Girl Who Loved Tom Gordon de Stephen King e muitos outros. O objetivo desse catálogo é divulgar essas obras, para criar um interesse nesses escritores, para que assim (quem sabe no futuro) haja interesse comercial nessas obras. De qualquer forma, a maioria desses escritores só podem ser conhecidos por meio de outras línguas.

Hoje fiz uma inclusão de 5 autores e mais de 65 obras. Segue-se alguns comentários sobre a obra desses escritores. Uma curiosidade: Todos esses 5 escritores estão com sua obra em domínio público.

Francis William Bain
F.W. Bain foi um escritor britânico de estórias fantásticas, de Sci-fi e de estórias apocalípticas. Como jogada de marketing, Bain escrevia seus livros assinando como "tradutor" de manuscritos secretos e anônimos escritos em sânscrito. Independente de seus métodos, alguns livros de Bain aparentemente (com base em comentários de outros sites) são de qualidade interessante, dentre eles os principais: A Digit of the Moon, An Essence of the Dusk, The Ashes of a God e The Substance of a Dream. Como hoje em dia a literatura fantástica está em alta no mercado (leia-se vendas) e a obra de Bain esrá em domínio público (download gratúito no projeto Gutenberg), por que não começar a publicar livros desse escritor no Brasil? Bain nunca esteve presente em língua portuguesa.

Edward Frederic Benson
Benson foi um escritor de histórias de terror ao estilo Poe e Lovecraft, mas de relevância bem menor. Sua magnum opus é a série Mapp and Lucia, composta de 6 romances e um livro de contos. Sua obra é numerosa, com mais de 100 livros publicados. Ainda não tive a oportunidade de ler nada desse autor, e não posso comentar muito a respeito.

Mikhail Bulgakov
Mikhail Bulgakov é um grande escritor e dramaturgo russo, extremamente conhecido no exterior pelo livro "O Mestre e a Margarida", livro que possui duas traduções publicadas no Brasil (uma de 1985 e outra de 2010) e uma em Portugal (de 2002). Fora esse livro, a língua portuguesa conhece mais um livro de novelas (publicado em 2010) e outro que não sei do que se trata (de 1980). Fora esses livros, nada mais da obra desse grande escritor está disponível em português, embora essas duas edições recentes (de 2010) me façam crer que esse escritor será mais editado nesses anos que seguirão. A novela Diabolíada está disponível gratuitamente aqui (cortesia da Folha), e é uma amostra da técnica do escritor. Aqui está disponível um breve comentário e parte do primeiro capítulo de "O Mestre e a Margarida". As outras obras do autor só estão disponíveis em Russo, Inglês, Francês ou Alemão.

Anton Hansen
Anton Hansen é talvez o maior de todos os escritores estonianos, grande romancista do movimento da Nova Literatura Estoniana. Sua importância é tão grande que a nota de 25$ da Estônia possui seu busto. Apesar de sua importância, nada dele (e de qualquer outro escritor estoniano como Gustav Suits) foi publicado em português. Sua obra prima é Tõde ja õigus (Verdade e Justiça) em cinco volumes, e está disponível integralmente apenas em língua alemã e estoniana, e a lingua inglesa possui apenas o primeiro volume traduzido. Sua obra é notória pela profundidade e influência de Freud, Jung e Gide.

Maurice Renard
Influenciado fortemente por Poe, Maurice Renard é um caso incomum na literatura. Primeiro por ser Francês e escrever Sci-Fi, e você provavelmente nunca ouviu falar de um escritor francês do gênero. Segundo por ser considerado um grande escritor francês pelos franceses e canadenses, e não é nem comentado entre os anglo-falantes (que apreciam mais o gênero). Independente de seus paradoxos, Maurice Renard deveria dar as caras em língua portuguesa (nenhum livro existe em nossa língua), para que os luso-falantes pudessem opinar sobre a qualidade da obra desse escritor.

É isso. Em breve mais autores vão compor esse triste catálogo de esquecimento editorial.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Livros que são missões de vida

Decidi fazer uma materiazinha hoje ao invés de resenha. Muitos acreditam que a leitura é algo que deva ser divertido, e na maioria dos casos, essa teoria é verdadeira. Mas nem sempre é assim. Alguns livros existem para nos desafiar, nosso tempo, nossa inteligência ou simplesmente nossa paciência. Alguns livros são uma missão de vida e não uma leitura básica. Alguns livros são tão complexos que você pode passar a sua vida inteira para decifrá-los e não consegue compreender uma linha, mesmo usando uma edição comentada. Tá legal, exagerei um pouquinho, mas algumas obras são mais ou menos isso. Vou separar as obras em 3 grandes grupos: Obras Eruditas, Grandes Sagas e Livros Sagrados.

Obras Eruditas
Há obras que são de grande complexidade simplesmente por serem escritas com um nível de erudição insuportável (e em alguns casos, prazeirosa simplesmente por isso mesmo). Mudanças de registro, pastiches, milhares de referências a outros livros e obras, arcaísmos, linguagem rebuscada, e muitos outros fatores podem afastar um livro de leitores mais desinteressados e aproximar de leitores eruditos. O que importa é que esses livros são de tão difícil compreensão que por alguns momentos acreditamos que o autor desafia a nossa inteligência. Eis alguns exemplos:

ILÍADA e ODISSÉIA - HOMERO
 Todos conhecem as histórias de Tróia, Odisseu, Aquiles, Helena, Páris e etc... Crescemos ouvindo essas histórias, e elas são revisitadas com muita frequência. Vemos milhares de filmes e adaptações, mas quantos de nós já leu ao menos uma das duas obras? Adaptações em prosa e infanto-juvenis não contam. A primeira grande dificuldade do livro: Ele está todo em verso, e todos sabemos que um poema é mais difícil de ler que um romance. E que tal um poema com milhares de versos? Fora o tamanho e o fato de estar em verso, a obra de Homero é complicadíssima, e é toda construida em cima de referências históricas e/ou mitológicas. E não ache que as referências usadas no livro são fáceis. Tudo isso faz ambos os livros serem praticamente impossíveis de se compreender sem uma boa edição comentada.

OS LUSÍADAS - CAMÕES
Camões é (com seu "Os Lusíadas") considerado o maior clássico da literatura em língua portuguesa, entretanto, além de clássico, é uma das obras de maior erudição já escrita em língua lusitana. Além das infindáveis referências mitológicas (algumas bastante obscuras), há uma série de referências históricas (como a viagem de Pedro Álvares Cabral pelo cabo das tormentas) ou bibliográficas (livro de crônicas, chorographia, livros do império romano, bíblia sabrada e etc..). Por exemplo: "Que quer fechar o Mar Mediterrano/Onde o sabido Estreito se ennobrece/Co extremo trabalho do Tebano." (Canto III), você sacou que Camões está falando sobre o Estreito de Gibraltar?

GRANDE SERTÃO: VEREDAS - GUIMARÃES ROSA
Grande sertão: veredas é talvez a mais erudita obra Brasileira (e incrivelmente popular). Além de seu tamanho (o livro espanta quem não tem o hábito de ler livros com mais de 600 páginas), a complexa técnica rosiana (neologismos, referências, mudança de registro e etc..) complicam muito a leitura, e a obra exige dedicação para ser ao menos brevemente compreendida.

ULYSSES - JOYCE
Ulysses de Joyce é tão complexo que faz o "Grande Sertão: Veredas" parecer "O Pequeno Príncipe". O primeiro detalhe importante a perceber é que TODO o livro (isso é... muuuiiiitttas páginas) contam a história de um único dia. Isso mesmo... um único dia. Outro detalhe é que o livro se usa de praticamente todas as técnicas de criação literária que eu conheço. Fora a comparação indireta desse dia narrado com a grande epopéia homérica. Lastimavelmente (e incompreensivelmente), toda essa sofisticação acaba fazendo esse livro ser odiado por uma grande quantidade de leitores e apreciadíssimo pela crítica.

A MONTANHA MÁGICA - THOMAS MANN


Esse é um dos maiores livros que já vi na minha vida, e disse certa vez (no desafio 30 livros em 30 dias) que sonho em ler esse livro. Há duas coisas que ainda não me permitiram ler "A Montanha Mágica". O primeiro motivo é o tamanho do livro, que é realmente muito gfrande (1000 páginas), o outro motivo é o plurilinguísmo do livro. Há páginas e páginas do livro em francês por exemplo. Só vou poder iniciar esse livro quando tiver poucos livros para ler, pois "A Montanha Mágica" exige dedicação exclusiva.

Grandes Sagas
Outras obras por sua vez nos desafiam no quesito tempo. Algumas obras são tão enormes que se dividem em vários livros volumosos (7,10,12,14), e fazem os livros de "O Senhor dos Aneis" parecerem brochuras. A maioria dessas sagas além de serem medonhas em tamanho, costumam ser tão difíceis de se compreender que as "Obras Eruditas".


EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO - MARCEL PROUST
O que você acha de 13 livros (ou 7 dependendo de como se divide) contando uma saga lenta e coberta de pensamentos filosóficos sobre a faculdade da lembrança? Pois é disso que trata "No caminho de Swann", "À sombra das raparigas em flor", "O caminho de Guermantes", "Sodoma e Gomorra", "A prisioneira", "A Fugitiva" e "O tempo reencontrado" (em divisão mais corrente, mas pode-se dividir o livro em 3,5 ou13). Entretanto, é uma obra estremamente interessante e bela, entretanto, ocupa uma boa parcela da sua vida para lê-la e outra boa parte (ainda maior) para compreendê-la em profundidade.

A SAGA DOS ROUGON-MACQUART - EMILE ZOLA
A saga dos Rougon-Macquart é a obra prima do escritor naturalista francês Émile Zola e contém "apenas" 20 livros volumosos. Os livros são: "La fortune des Rougon", "La Curée", "Le ventre de Paris", "La conquête de Plassans", "La faute de l'abbé Mouret", "Son excellence Eugène Rougon", "L'assommoir", "Une page d'amour", "Nana", "Pot-Bouille", "Au bonheur des dames", "La joie de vivre", "Germinal", "L'ouvre", "La Terre", "Le rêve", "La bête humaine", "L'argent", "La débâcle" e "Le docteur Pascal". Para agravar ainda mais a situação, nem todos os livros da série se encontram em língua portuguesa (ao menos um [Germinal] existe em nossa língua).

CICLO DO EXTREMO NORTE - DALCÍDIO JURANDIR
Escritor brasileiro ganhador do Prêmio Machado de Assis pelo Conjunto da Obra (ABL), que escreveu (talvez) a maior saga brasileira. O "Ciclo do Extremo Norte" se compõe de 10 romances que são respectivamente: "Chove nos Campos de Cachoeira", "Marajó", "Três Casas e um Rio", "Belém do Grão-Pará", "Passagem dos Inocentes", "Primeira Manhã", "Ponte do Galo", "Os Habitantes", "Chão dos Lobos" e "Ribanceira". Dalcídio (Junto com minha querida Lindanor Celina) já foi tema de diversos colóquios em outros países como por exemplo na frança. A complexidade da obra desse escritor é outra coisa que obriga uma dedicação ao ler qualquer livro da série (além do volume das obras).



Obras Religiosas

Não é preciso dizer da polissemia dos livros religiosos, pois, todos os livros são múltiplos. Entretanto, a polissemia nas obras religiosas é um problema muito maior que em qualquer outro tipo de livro. Além disso, a maioria dos livros religiosos possui uma variedade absurda de assuntos e narrativas, onde você mal compreende uma passagem, e a próxima é algo completamente diferente.

TAO TE CHING
Esse livro é bem curto comparado aos outros, entretanto, é talvez um dos mais complexos. A começar pela língua de origem (o Chinês), que pela concisão acaba por dificultar a vida de qualquer leitor, quanto mais aos tradutores. Duas traduções desse livro são tão diferentes entre si que são livros completamente diferentes.

BÍBLIA SAGRADA CRISTÃ
A rigor, a bíblia sagrada cristã não é um livro, mas 46 (ou 39 ou 51) no antigo testamento e 21 no novo testamento. O que chama a atenção em todos esses livros são a variedade de temas e estilos entre eles, possuindo livros mais narrativos (que se assemelham a romances) como Atos, Reis e Juízes; livros mais poéticos como Salmos e Provérbios; livros mais reflexivos como boa parte dos profetas e das cartas de paulo; livros com o código de leis da religião como parte de Deuteronômio, Levíticos e das cartas de paulo; e por fim alguns livros com informações genealógicas (como o primeiro livro de crônicas) e/ou recenceadoras (como boa parte de números). Outro problema que dificulta a compreensão íntegra da obra é o fato que ela é extremamente controversa em toda a sua extensão. Se diz-se algo em um livro, outro pode refutar o que foi dito (e as vezes essa controvérsia está no mesmo livro).

O ALCORÃO
Extremamente mal compreendido, poético, complexo e controverso. O Alcorão é uma compilação dos ditos de Maomé.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Diário da Ilha - Lindanor Celina

Ah Lindanor! Heroína de minha terra... Peço logo que a maioria de vocês desconsiderem algumas das observações que farei, pois é difícil resenhar objetivamente afetado pelas emoções. Palavra de fã não conta.

Assim como A Viajante e Seus Espantos, Diário da Ilha é um livro de crênicas de viagem, entretanto, mais do que outros livros do tipo, o "Diário" de Lindanor realmente se assemelha a um diário, o que foge ao padrão de crônica de viagem. Algumas crônicas do livro não contam acontecimentos, mas sim estados de espírito, sonhos ou pensamentos. Por conta disso, temos então um livro que é um misto de Crônica, Diário e Memória.

A primeira coisa que me chamou deveras atenção foi o fato de que Lindanor (assim como eu) coleciona sonhos (ou seja, escreve-os para não se perderem). Muitos sonhos estão presentes no livro. Segundo Freud os sonhos são uma manifestação do subconsiente, e, portanto, a melhor forma de conhecer os desejos e temores de uma pessoa, mesmo que o dono do sonho não as conheça (tá legal, Freud também disse que esses desejos são de natureza sexual, mas podemos esquecer essa parte né?). Portanto, os sonhos escritos são a forma mais fiel de Memórias (isso, supondo que os sonhos sejam reais, possibilidade que não descarto).

Como sou estúpido!!! Esquecir de especificar do que o livro trata... Tá legal. o livro foi escrito durante as viagens de Lindanor para a grécia, e mais especificamente para a ilha de Skyros. A autora relata sobre a geografia, topografia, cultura e episódios dessa ilha. É muito interessante que, diferente de outras crônicas de viagem que li, Lindanor descreve mais as semelhanças da ilha com seus países de origem (Brasil e França) do que as diferenças. Isso é bom porque nos faz sentir familiarizados com tudo o que é dito.

Há no livro uma riquesa de personagens (tanto nos acontecimentos "reais" quanto nos "sonhos") e acontecimentos. Os que possuem maior destaque por sua comicidade são: A empregada Niki e sua alopração, o jovem Kostákis e seus feitos, o casal de alemães e o caso da francesa Solange. Mas nem só de cômico se faz um diário: há no livro algumas questões reflexivas, outras culturais, mas todas bastante pessoais e verdadeiras, o que reforça ainda mais o tom memorialístico do livro. Se pudesse comparar o estilo de Celina com o de outra escritora, com certeza essa escritora seria Simone de Beauvoir (que a autora conheceu e é citada no livro, por coincidência).

Outra coisa que me chamou atenção: no livro aparece algumas informações relativas à disciplina de criação da autora, bem como alguns processos e pensamentos sobre alguns dos livros que foram escritos nesse período (75-87, acho que também não havia mencionado isso), entre eles o Pranto por Dalcídio Jurandir (que será resenhado em breve), Estradas do Tempo-Foi e outros livros que (até onde eu saiba) nunca foram publicados, podem ser manuscritos inéditos ou destruídos. Como estudioso da literatura, isso não deixa de me fascinar.

E por fim, embora o livro foi escrito entre 75 e 87, foi publicado apenas em 92 (talvez a autora não tinha certeza quanto a qualidade da obra, o que fica implícito no próprio livro), no ano que eu nasci. Pelos meus cálculos, talvez tenha sido editado no mesmo mês que nasci (junho) ou então julho. A capa, ao meu ver, é simples mas agradável, e a lombada, quarta capa e orelhas são excelentes. A qualidade gráfica é boa, apesar de uns errinhos tipográficos ou outro (que não compromete em nada a leitura). Segue um trechinho da obra aí:
Nem é pela paisagem amazônica — ou é? Certo é que estava eu cá sozinha nesta mesa na terrace deserta, todo mundo na sesta, Dimítrios veio lá de dentro, saudou-me, deu-me um impulso, levantei-me, pedi-lhe: "Tens vinho branco geladinho?" — "Tenho." "Um copito." E fui ver Maria cortar churrascos na cozinha. Ela ao ver minha cara perguntou, grave: "Que há, Celina?" Dimítrios quem respondeu: "Vai-se embora amanhã..." — aí virei o rosto para um lado e chorei curtinho, chorei debaixo dos ralhos de Maria, esta idem de voz mudada... Como diabo soube Dimítrios o que eu própria mal discernia? Aqui estou, com meu potiraki de vinhito cor de âmbar, retsina da boa, de tonel que, se não dá jeito, melhora. O jeito bem que sei, era ter coragem de largar o emprego, Lille, e vir para aqui um ano, dois. Não sou bastante artista para tal, pesar toda a minha loucura, meus pés são demasiado ancorados no chão. Embora ciente, ô quanto, de que só tenho esta vida a bem dizer finda, só estas migalhas por viver. Ainda assim, agarro-me aos cacos e vou emendando, repetindo o ramerrão.
         (Crônica de 87, Skyros, pg 236-237)
Essa resenha faz parte do Desafio Literário. Para conferir a minha lista do desafio clique aqui. Para conferir a lista de Fevereiro Clique aqui. Como o que é bom dura pouco, esse livro não é mais editado desde 1992, e, portanto, só se encontra em sebos. Clique aqui para procurá-lo na Estante Virtual.

Nota do Elaphar: 9,0

Edição Lida:
CELINA, Lindanor. Diário da Ilha. Belém: CEJUP, 1992, 239p.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Desafio Literário 2011 - Fevereiro: Biografia e/ou Memória

"A biografia é um gênero literário por meio do qual se narra a história de vida de uma pessoa após sua morte. Na atualidade, este gênero está passando por mudanças, tendo em vista que as pessoas têm escrito suas próprias memórias. Que tal ler aquela biografia e/ou livro de memórias de nosso ídolo?"

Continuando meu post mensal sobre o tema do DL 2011, e como de costume, haverá mais 3 livros além da minha lista. Chegamos então ao mês de fevereiro, com a temática de Biografia e/ou Memórias.

Em linhas gerais, uma  Biografia conta a história de vida de uma pessoa, e na atualidade, a maior parte das biografias são sobre celebridades (como Michael Jackson) e escritores (Clarice ou Paulo Coelho) populares, mas nem sempre foi assim. As primeiras biografias (ao que eu saiba) foram escritas por  Tácito e Plutarco, e geralmente contam as histórias de políticos. No Império Romano, o gênero biográfico tem seu ápice com Suetônio, que narra a vida dos imperadores romanos (como Caesar, Caligula, Nero e outros) e de pessoas ilustres.

Porém, anterior à Tácito e aos romanos, algumas características do gênero já poderiam ser vistas no tratado filosófico-biográfico "Apologia de Sócrates" de Platão, onde aparecem pedaços da vida de Sócrates. Anterior ainda a Platão, já havia dados dispersos sobre faraós e outras pessoas importantes no Egito. Ao que acredito, os primeiros grandes esforços verdadeiramente biográficos (embora não componham uma "biografia" em strictu sensu) estão presentes no Antigo Testamento da Bíblia Sagrada; alguns dos livros da bíblia se preocupam fortemente em descrever a vida e feitos de algumas personalidades, isso inclui quase todos os profetas, Reis, Juizes, parte dos primeiros livros do Pentateuco, e até certo ponto os livros de crônicas.

O surgimento das biografias em língua portuguesa foi, também, com a finalidade de descrever a história dos reis de portugal, e aqueles que escreviam essas biografias eram chamados de Cronistas, e a primeira crônica escrita foi por Fernão Lopes. A qualidade verdadeiramente biográfica dessas primeiras crônicas é questionável, mas a qualidade literária delas tem sido um ponto de discussão na academia. Indico a leitura da Crônica de D. Pedro I.

No decorrer do tempo, as biografias começaram a se modificar, algumas dessas modificações são notáveis, com o fato de que pode-se fazer uma biografia de uma personalidade viva, ou o surgimento de Autobiografias e/ou Memórias. Há também outros gêneros que não são exatamente Biografia ou Memória, mas estão com um pé bem fundo nesses gêneros, e vou falar de cada um por parágrafo.

Cartas e Diários: As cartas e os diários não são biografias, mas sim objetos pessoais, e, por serem pessoais, contem muito da pessoa que escreve. As cartas sempre foram "quase-biografias", e muito o que se sabe sobre a vida de certas personalidades (Nietzsche, Rilke, Mariana Alcoforado e etc...) se dá por meio das cartas que a pessoa enviava e recebia. Mais interessante que as cartas porém, são os diários, que possuem a mesma pessoa como remetente e destinatário, e possivelmente é a forma mais fiel de autobiografia, pois se funda na necessidade de escrever, e na vontade de esconder; entretanto, os diários estão sofrendo uma mudança drástica, o que mereceria ser comentado em um post isolado. A maioria dos artistas e políticos de antes do século XXI possuem um acervo muito grande de cartas; entretanto, os diários são muito mais comuns pelos europeus (ou quem tem um pé na Europa como Sontag) e são pouco traduzidos para o português (há ótimos diários ainda não vertidos para o português, como o de Lou Salomé, Andre Gidé e Amiel), e no Brasil, os maiores escritores de diários "legítimos" são políticos (como Jarbas Passarinho ou Jetúlio Vargas). Há ainda um terceiro grupo, o das pseudo-cartas (como Cartas Chilenas) e dos pseudo-diários (como Diário de um Banana), mas eles se distanciam mais do gênero biográfico.

Crônicas de Viagem: Algo que fica entre um diário e uma crônica, mas sempre voltado para uma experiência em um lugar estrangeiro. O contato com o "outro" faz o escritor entender melhor a si mesmo e a sua própria sociedade. Uma crônica de viagem é uma espécie de autobiografia de experiencias vivenciadas em um periodo menor do que de uma "autobiografia tradicional". Uma dessas crônicas famosíssimas é "Duas Viagens ao Brasil" de Hans Staden. Muitos brasileiros escreveram também livros documentando suas esperiências em viagens, entre eles Graciliano Ramos em seu livro "Viagem", ou Lindanor Celina em seu "A Viajante e seus Espantos". Na maioria das vezes essas crônicas possuem uma riqueza histórica, literária e cultural superior às biografias.

Biografia/Memória Literária: Esse é um gênero onde, faz-se uma "quase biografia" de uma personalidade real (morta), mas sem um rigor biográfico ou memorialistico, mas sim usando a criatividade e a estética. Cria-se uma obra literária baseada em uma personalidade (que muitas vezes pouco se sabe sobre a sua vida, o que obriga o escritor a preencher lacunas do conhecimento biográfico por meio da criatividade). Algumas das mais famosas biografias literárias são "Calígula" de Camus e "Memórias de Adriano" de Marguerite Yourcenar. Algumas vezes, esse gênero biográfico vai para o lado do extremamente fantasioso, por conta das poucas informações reais da personalidade e da alta criatividade do escritor; esse é o caso da maioria das obras sobre o Rei Arthur.

Biografia/Memória Ficcional: Funciona de forma similar à Biografia Literária, só que cria-se um personagem fictício e escreve-se como se fosse uma biografia real. Os maiores clássicos do gênero são "Os Sofrimentos do Jovem Werther", "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Memorial de Aires". Há também quando se cria a biografia de um personagem fictício de outra história, como é o caso da Biografia do Seu Madruga ou Dr. House. E uma terceira variação é o de misturar personalidades reais (geralmente escritor) com personagens criados, como é o caso de "A Morte de Haroldo Maranhão" e "Memorial do Fim" (de Haroldo Maranhão) ou "Lotte em Weimar" de Thomas Mann.

E por fim a literatura com forte presença da biografia do autor. Nesse caso não há biografia; o que há é que a obra em questão é muito influenciada pela biografia do autor, como é o caso de "Memórias do Cárcere" de Graciliano Ramos e boa parte da obra de Simone de Beauvoir. Não vou me ater a essa literatura específica.

E por fim, vou colocar minhas escolhas pouco ortodoxas novamente e explicar o porquê delas. Na minha lista principal, consta o livro "Diário da Ilha", que é um livro de crônicas de viagem, que conta a história da escritora no período que ela passou nas ilhas gregas. O segundo livro é "Memórias de Adriano", que é uma biografia literária, ou seja, é uma criação literária baseada em uma personalidade real e acontecimentos biográficos reais. O 3º livro (Resistência) é um livro de memórias no sentido tradicional. Na minha lista de bônus consta os "Diários" de Sontag, que é um diário real, e portanto, uma supra-autobiografia (se posso chamar assim). O 2º Bônus é o livro "Memórias Póstumas de Brás Cubas" que é o maior clássico brasileiro de Memória Ficcional. O último livro também é um livro de memórias no sentido tradicional, com o diferencial que o escritor conta suas memórias sobre outra pessoa, o que é deveras interessante. Como já li o livro de Machado de Assis (e ele está como bônus), só para esse desafio lerei 5 livros.

LISTA
Titular: Diário da Ilha - Lindanor Celina.
1º Reserva: Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar.
2º Reserva: Apologia de Sócrates - Platão.
2º Reserva: Resistência - Agnès Humbert

BÔNUS

Diários - Susan Sontag
Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis
Pranto Por Dalcídio Jurandir - Lindanor Celina


Curiosidade: O maior clássico da literatura portuguesa (Os Lusíadas de Camões), possui uma série de referencias biográficas, principalmente nos cantos III e IV, onde Vasco da Gama conta a história dos reis de Portugal (dentre elas, o episódio de Inês de Castro). Provavelmente, Camões recorreu aos textos dos Crônistas, e em particular, Fernão Lopes.
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