sexta-feira, 3 de junho de 2011

A Volta do Parafuso - Henry James

Henry James é considerado por muitos um dos maiores escritores norte-americanos, merecendo apreço de outros grandes escritores como Josef Conrad, e considera-se que suas obras estão carregadas de fundo psicológico. A Volta do Parafuso (ou Os Inocentes) é um de seus livros mais famosos, contando até com uma famosa adaptação cinematográfica.

O livro inicia-se com uma narração de história sombria numa velha casa no Natal, onde um dos amigos de Douglas (um dos narradores do livro) contou uma história onde uma aparição surgia para uma criança. Os que ouviram a história ficaram estarrecidos, mas Douglas lembrou de outra história "horrível demais". O nome do livro provém de uma expressão usual (Another turn of screw) que significa aumentar a tensão, sofrimento, dor e etc... Se uma história horrível é mais horrível ainda com a presença de uma criança, o que diria de duas? Esse é um ponto chave da narrativa: duas crianças, dois adultos, duas aparições e duas voltas.

Antes de falar um pouco mais do duplo, a narrativa possui 3 narradores, um que narra a noite de Natal e comportamento do amogo Douglas, depois o próprio Douglas narra o como ele conseguiu o manuscrito e dá um prólogo da narrativa, depois Douglas lê a narrativa de um manuscrito escrito pela protagonista da história, e terceira narradora. Além de não termos uma narração direta, a narrativa é complexa, profunda e que não se reduz à um único caminho, o que torna dificil (e praticamente impossível) "fechar" uma análise profunda da obra sem cometer o pecado da omissão, e, por outro lado, uma análise superficial demais é (além de impraticavel) um assassinato ao livro, que já ataca os leitores vulgares e superficiais no primeiro capítulo. Também vou tentar evitar spoilers o máximo possível, mas de qualquer modo, o desfecho da história não é mais importante (e interessante) que seu desenrolar.

A narração é magnificamente complexa e ao mesmo tempo saborosa de se ler. Apesar de, a princípio, achar-mos as crianças "plastificadas", percebemos a importância disso para o próprio desenrolar da obra. O clima sombrio que James constrói, além dos "labirintos" da narrativa nos guiam por diversos caminhos de leitura. Se você acha uma discussão inacabada o tradicional "Capitu traiu ou não traiu Bentinho?", o que dirá de uma narrativa onde tudo é dúvida? A visão é uma dúvida, as aparições, as crianças, a loucura, enfim... tudo.

Apesar de ser apenas um livro, em A Volta do Parafuso dois outros textos se fazem presente (e eu se fosse vocês procuraria lê-los o mais rápido possível): O Homem de Areia (Der Sandmann) de E.T.A.Hoffmann e o poema O Erlkönig (Der Erlkönig, também conhecido como Rei dos Elfos) de J.W. von Goethe. O Homem de Areia é um livro bem fácil de encontrar por ser um "clássico" do Romantismo Alemão, embora deve-se ter cuidado com as adaptações infanto-juvenis do livro, já que elas tiram todo o clima absurdo, sombrio e violento do livro. Para quem lê inglês ou francês, o Erlkönig é um dos poemas alemãos mais traduzidos. Para os monolíngues as únicas opções legíveis do Erlkönig são as traduções portuguesas (que podem incomodar os brasileiros devido aos "a ver", "rebento" e etc...) e a tradução anotada que fiz recentemente (e pode ser conferida clicando aqui), as outras traduções que podem ser achadas na internet não são minimamente legíveis.

Há relações óbvias com o enredo de O Erlkönig (a aparição à uma criança, o adulto tentando proteger, a morte e etc...), o que me leva a crer que a referência inicial à uma história horrorosa é uma referência ao Erlkönig. Para além das referências óbvias, ambos os textos são polissêmicos ao extremo: o que é realidade? o que é loucura? quem vê demais? quem não vê? seria doença?. A visão é outro ponto chave da narrativa, e me remete diretamente ao Homem de Areia, onde a narrativa se baseia na dúvida, no ver e não ver (no Homem de Areia o órgão da visão também é fundamental: o Homem de Areia joga areia nos olhos, a boneca robô têm seus olhos arrancados e etc..) e isso é chave importante nas três narrativas (isso considerando o poema de Goethe como narrativa).

Além da visão e dúvida (e por consequência a loucura), outro tema chave da narrativa é o duplo. Uma análise mais superficial nos dá uma rápida visão de que A Volta do Parafuso é um Erlkönig duplicado, mas não é somente isso, pois além de dois adultos, duas aparições e duas crianças, os fantasmas aparecem duas vezes em cada lugar (na torre, no lago, na escada e etc...), a preceptora vê seu patrão apenas duas vezes, o Peter Quint (uma das aparições) pode ser compreendido como uma duplicação da imagem do patrão, assim como a segunda aparição uma duplicação da imagem da preceptora (além do fato de haver duas preceptoras), e poderia ficar citando imagens duplicadas durante horas a fio. Essa duplicação também aparece de forma marcante no Homem de Areia na imagem (ou na possíbilidade) do ser duplo (der Doppelgänger). Seria Coppola um Doppelgänger de Coppelius? Da mesma forma que as aparições seriam duplicatas dos adultos?

As comparações que faço não são arbitrárias. A concepção dos três livros se assemelha, assim como seus temas e simbolos. Além disso, Goethe é uma influência incontestável (diretamente ou não, intencionalmente ou não) em praticamente tudo o que se fez depois dele, e Hoffmann é a base fundamental da narrativa sombria (em alemão Schauerliteratur), e influenciou diretamente um sem número de obras, particularmente em obras de língua inglesa. Apesar das obras anteriores nos ajudarem a compreender a gênese e significado de muitos símbolos e palavras-chave da narrativa de James, A Volta do Parafuso não se fecha apenas nisso, e a superficialidade (não intencional) de quem se aventura a escrever sobre esse romance é inevitável. Por conta de todo o jogo narrativo e interpretativo do texto, além do prazer que a leitura me ofereceu (crédito não só do autor, mas também da edição e tradução. Parabéns Hedra, Marcos Maffei e Marcelo Pen), esse livro merece (junto com Lolita de Nabokov) a nota máxima dada por esse humilde blog.

Nota do Elaphar: 10

Edição Lida:
JAMES, Henry. A Volta do Parafuso. Trad: Marcos Maffei. Introdução de Marcelo Pen. São Paulo: Hedra, 2010, 182p.

7 comentários:

  1. Elaphar, tentei encontrar seu email para responder, mas como não encontrei, na dúvida, respondo sua questão por aqui.

    Li a tradução do Carlos Alberto Nunes na biblioteca; quando escrevi a resenha, não estava com ele à mão, de forma que acabei optando por pesquisar os trechos que tinham me chamado a atenção pelo Google. Fui atrás de "solilóquios de Shakespeare" para ver se encontrava o discurso de Azincourt e saí feito doida atrás de alguma tradução do início de Henrique IV para poder postar.

    Desculpe a confusão... Normalmente posto na ficha de leitura a edição que li, que nem sempre é a mesma de onde tiro a citação (especialmente quando leio em inglês e encontro uma citação em português para postar). Espero ter tirado sua dúvida.

    Abraços.

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  2. Qual seria o tempo do livro Os Inocentes , e cronologico ou psicologico?

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    1. Tempo cronológico, mas é importante perceber que há vários níveis diegéticos dentro do livro, cada um a seu tempo específico (a narração do livro, a narração do rapaz sobre a moça e a narração da própria moça sobre o acontecimento)... Todos cronológicos... Lendo o livro, isso fica óbvio...

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    2. Elanphart adorei esse livro, ta de parabéns só não sei
      narrador kkk me digam

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  3. quero saber dos narradores me diga simples cada um deles por que não entendi...

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    1. Para de ser jumento Leony não tem narrador o narrador é em terceira pessoa.../???/

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    2. hi people who like my books thank you for has commented the are first-person narrator and the name of the children who lost their father and was afraid of ghosts

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