quarta-feira, 6 de abril de 2011

Sonetos - William Shakespeare (Trad: Jerónimo de Aquino)

Mais uma vez resenho os Sonetos de Shakespeare, agora em tradução de Jerónimo de Aquino. Alguns devem se perguntar o porquê de resenhar a mesma obra várias vezes, e as respostas são simples: 1º sou fã dos sonetos de Shakespeare, 2º cada tradução brasileira de cada poesia é uma obra de arte original e distinta, 3º as traduções brasileiras são muito diferentes entre si, e 4º pretendo resenhar TODAS as traduções dos Sonetos em vernáculo, o que inclui as traduções de Ivo Barroso, Tereza Christina, Jorge Wanderley, Vasco Graça Moura, Oscar Mendes, Milton Lins, Bárbara Heliodora e Enio Ramalho, além dos já resenhados Péricles Eugênio e Faça Você Mesmo. Há algumas traduções que ainda não li. mas com certeza será prazeiroso.

Durante algum tempo fiquei em dúvida se resenharia ou não a tradução de Jerónimo de Aquino, devido minha edição ser da famigerada Martin Claret. Muitos podem não conhecer o passado sombrio da editora em se tratando de traduções, mas quando o nome é Martin Claret a prudência nunca é demais. Porém descobri que a edição é legítima, diferente das outras traduções dos sonetos. Na verdade, os Sonetos traduzidos por Aquino pertenciam à Obra Completa de William Shakespeare pela editora Melhoramentos, e era uma edição Bilíngue.

Diferente das outras traduções resenhadas, Jerónimo de Aquino não corre o risco de criticarem a escolha das poesias, pois traduziu todos os 154 sonetos mais o Queixas de uma amorosa (A lover's complaint), que é um longo poema lírico. Não gosto do "Queixas de uma amorosa", mas como não é um soneto, não vou nem ao menos me dignar a falar dele.

Apesar de traduzir todos os sonetos, também diferentemente das outras resenhas, a edição da Martin Claret é a única que não é bilíngue (apesar da edição da Melhoramentos ser), o que é um pouco incômodo. A edição não é a oitava maravilha. É uma edição bem padrão, com folhas brancas e o número de páginas enorme em marca d'água no pé da página, mas não atrapalha a leitura dos Sonetos, atrapalha apenas os dados biográficos e o Queixas...

Falando a escolha tradutória de Jerónimo de Aquino, o tradutor optou pelo dodecassílabo para traduzir o pentâmetro jambico (que não possui equivalência no português) ao invés do tradicional decassílabo. Os dodecassílabos de Aquino possuem uma censura no meio, geralmente com uma ou duas sílabas tônicas entre os hemisférios, o que caracteriza seu verso como alexandrino. Muitos criticam essa forma, pois deixa os versos "muito longos", entretanto, devido o fato de que as pelávras em Inglês costumam conter menos sílabas que as portuguesas, essa escolha é justificável. Entretanto, a escolha é mais difícil do que pode parecer. Por um lado, no dodecassílabo o número de omissões é bem menor que no decassílabo, entretanto, por contrapartida, o número de "acréscimos" é bem maior.

Já falei anteriormente que, para mim, a tradução poética deve-se prioritariamente criar um bom poema na língua de destino, depois, e por último, vêm uma suposta fidelidade com o original. Entretanto, em casos extremos o cotejo com o texto inglês se faz crucial. Comparando o soneto I percebemos apenas duas omissões, uma delas leve (by time) e outra gravíssima (todo o verso 6 e 7), entretanto, há uma quantidade absurda de acréscimos, incluindo dois versos inteiros. Alguns casos são mais graves, como o Soneto LXVI, que possui o sentido TODO alterado, ou o Soneto CXXIX, que apesar de ser um bom poema, distoa muito da forma e sentido do poema original.

Apesar das deficiências, há belas poesias na tradução de Aquino. Foi a primeira edição dos Sonetos que li, e gostei muito de várias poesias que hoje são algumas das minhas preferidas, entretanto algumas poesias, como é de se esperar, não são tão cativantes.

Aparentemente, a tradução de Jerónimo de Aquino é uma tradução extremamente comercial, e não foi feita com paixão. Ao traduzir todos os 154 sonetos, Aquino cometeu erros, acrescentou muitas idéias (algumas para produzir rimas) entre outras falhas, e aparentemente traduziu muitos sonetos às pressas. De um modo ou de outro, eis aqui um soneto do livro, comparando com as versões das resenhas anteriores:
Quando penso que tudo e tudo quanto cresce
Só pode ser perfeito um rápido momento;
Que o mundo só ilusões, teatral, nos oferece,
Das quais o astral poder é secreto fomento;
Quando na evolução do homem, como da planta,
Vejo avanço e parada, à ação do mesmo ambiente:
Agora a vida exulta, agora se quebranta,
E até o maior primor termina obscuramente...
O conceito que formo, então, dessa ocorrência
Se ajusta em vós, em cuja excelsa juventude
O Tempo destruidor se alia à Decadência,
Para que em feia noite a vida vos transmude.
    E, em guerra com o Tempo, amando-vos, decerto,
    O que ele de vós tira eu novamente enxerto.
                      (Soneto nº 15 por Jerónimo de Aquino, p.41)
Quando penso em tudo que cresce,
Perfeito por não mais que um instante
E no palco apenas sombra aparece
Do que estrelas velam naquele quadrante
Quando penso nos homens e nas plantas
Ceifados, nutridos, por um só firmamento
Desabrocham e no apogeu caem às tantas,
Anulando da memória o bravo momento
Ao pensar em vida tão inconstante,
Fica ainda mais jovem diante de mim
Perda do tempo em confronto cortante
A transformar seu dia na noite do fim
    Por amor, a seu favor, tudo farei nessa guerra
    O que o tempo tirar, lhe retornarei sem espera
                      (Soneto nº 15 por Isa Pessôa, p.83)
Se tudo quanto cresce (eu fico a meditar)
Apenas um momento alcança a perfeição;
Se os astros vêm, com influência oculta, comentar
As meras peças que no mundo têm ação;
Se os homens sei que como as plantas arborescem
E o céu que lhe dá aplauso é o céu que os vem vaiar:
Gloriam-se de seiva e no ápice decrescem,
Para afinal êsse auge esplêndido olvidar;
Então, pensando nessa instável permanência,
Mais jovem eu te vejo, amor, à minha frente,
Embora queira o Tempo, ouvindo a Decadência,
Mudar teu jovem dia em noite desluzente.
    E, por amor de ti, em guerra o Tempo enfrento;
    Quando êle em ti suprime, é quanto te acrescento.
                      (Soneto nº 15 por Péricles Eugênio)

Nota do Elaphar: 8,0

Edição Lida:
SHAKESPEARE, William. Sonetos. Trad: Jerónimo de Aquino. São Paulo: Martin Claret, 2006, 207p.(Coleção Obra Prima de Cada Autor, 249)

3 comentários:

  1. Oi Elaphar, também possuo este exemplar da Martin Claret, já li estes sonetos algumas vezes, mas confesso que também sempre fico desconfiada da tradução.Se traduções feitas em prosa ficam a desejar imagine as feitas em poesias. Bem, mesmo assim eu adoro ler estes sonetos, principalmente os de amor.

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  2. Bom dia Elaphar, gostei muito da resenha. Você que é um especialista em Shakespeare, saberia me dizer de quem é a tradução disponível na rede de todos os sonetos de Shakespeare, que começa desse modo: "Dos mais belos seres, queremos mais,De tal forma que não finde jamais a rosa da beleza". Eu adoro essa tradução, mas não faço ideia de quem seja o tradutor, já fiz uma longa pesquisa, comparei esse trecho com o de uns 8 tradutores, e não é de nenhum deles. Parabéns pelas resenhas. Márcio.

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  3. A edição completa em PDF que se encontra disponível na internet (nessa página: http://www.miniweb.com.br/literatura/artigos/sonetos.pdf) possui tradução de Marcos Beltrão Frederico, monge budista, que publicou essa tradução em 2005 pela editora Dublin. Por algum motivo, a versão eletrônica não possui atribuição.

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