terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Desafio Literário 2011 - Fevereiro: Biografia e/ou Memória

"A biografia é um gênero literário por meio do qual se narra a história de vida de uma pessoa após sua morte. Na atualidade, este gênero está passando por mudanças, tendo em vista que as pessoas têm escrito suas próprias memórias. Que tal ler aquela biografia e/ou livro de memórias de nosso ídolo?"

Continuando meu post mensal sobre o tema do DL 2011, e como de costume, haverá mais 3 livros além da minha lista. Chegamos então ao mês de fevereiro, com a temática de Biografia e/ou Memórias.

Em linhas gerais, uma  Biografia conta a história de vida de uma pessoa, e na atualidade, a maior parte das biografias são sobre celebridades (como Michael Jackson) e escritores (Clarice ou Paulo Coelho) populares, mas nem sempre foi assim. As primeiras biografias (ao que eu saiba) foram escritas por  Tácito e Plutarco, e geralmente contam as histórias de políticos. No Império Romano, o gênero biográfico tem seu ápice com Suetônio, que narra a vida dos imperadores romanos (como Caesar, Caligula, Nero e outros) e de pessoas ilustres.

Porém, anterior à Tácito e aos romanos, algumas características do gênero já poderiam ser vistas no tratado filosófico-biográfico "Apologia de Sócrates" de Platão, onde aparecem pedaços da vida de Sócrates. Anterior ainda a Platão, já havia dados dispersos sobre faraós e outras pessoas importantes no Egito. Ao que acredito, os primeiros grandes esforços verdadeiramente biográficos (embora não componham uma "biografia" em strictu sensu) estão presentes no Antigo Testamento da Bíblia Sagrada; alguns dos livros da bíblia se preocupam fortemente em descrever a vida e feitos de algumas personalidades, isso inclui quase todos os profetas, Reis, Juizes, parte dos primeiros livros do Pentateuco, e até certo ponto os livros de crônicas.

O surgimento das biografias em língua portuguesa foi, também, com a finalidade de descrever a história dos reis de portugal, e aqueles que escreviam essas biografias eram chamados de Cronistas, e a primeira crônica escrita foi por Fernão Lopes. A qualidade verdadeiramente biográfica dessas primeiras crônicas é questionável, mas a qualidade literária delas tem sido um ponto de discussão na academia. Indico a leitura da Crônica de D. Pedro I.

No decorrer do tempo, as biografias começaram a se modificar, algumas dessas modificações são notáveis, com o fato de que pode-se fazer uma biografia de uma personalidade viva, ou o surgimento de Autobiografias e/ou Memórias. Há também outros gêneros que não são exatamente Biografia ou Memória, mas estão com um pé bem fundo nesses gêneros, e vou falar de cada um por parágrafo.

Cartas e Diários: As cartas e os diários não são biografias, mas sim objetos pessoais, e, por serem pessoais, contem muito da pessoa que escreve. As cartas sempre foram "quase-biografias", e muito o que se sabe sobre a vida de certas personalidades (Nietzsche, Rilke, Mariana Alcoforado e etc...) se dá por meio das cartas que a pessoa enviava e recebia. Mais interessante que as cartas porém, são os diários, que possuem a mesma pessoa como remetente e destinatário, e possivelmente é a forma mais fiel de autobiografia, pois se funda na necessidade de escrever, e na vontade de esconder; entretanto, os diários estão sofrendo uma mudança drástica, o que mereceria ser comentado em um post isolado. A maioria dos artistas e políticos de antes do século XXI possuem um acervo muito grande de cartas; entretanto, os diários são muito mais comuns pelos europeus (ou quem tem um pé na Europa como Sontag) e são pouco traduzidos para o português (há ótimos diários ainda não vertidos para o português, como o de Lou Salomé, Andre Gidé e Amiel), e no Brasil, os maiores escritores de diários "legítimos" são políticos (como Jarbas Passarinho ou Jetúlio Vargas). Há ainda um terceiro grupo, o das pseudo-cartas (como Cartas Chilenas) e dos pseudo-diários (como Diário de um Banana), mas eles se distanciam mais do gênero biográfico.

Crônicas de Viagem: Algo que fica entre um diário e uma crônica, mas sempre voltado para uma experiência em um lugar estrangeiro. O contato com o "outro" faz o escritor entender melhor a si mesmo e a sua própria sociedade. Uma crônica de viagem é uma espécie de autobiografia de experiencias vivenciadas em um periodo menor do que de uma "autobiografia tradicional". Uma dessas crônicas famosíssimas é "Duas Viagens ao Brasil" de Hans Staden. Muitos brasileiros escreveram também livros documentando suas esperiências em viagens, entre eles Graciliano Ramos em seu livro "Viagem", ou Lindanor Celina em seu "A Viajante e seus Espantos". Na maioria das vezes essas crônicas possuem uma riqueza histórica, literária e cultural superior às biografias.

Biografia/Memória Literária: Esse é um gênero onde, faz-se uma "quase biografia" de uma personalidade real (morta), mas sem um rigor biográfico ou memorialistico, mas sim usando a criatividade e a estética. Cria-se uma obra literária baseada em uma personalidade (que muitas vezes pouco se sabe sobre a sua vida, o que obriga o escritor a preencher lacunas do conhecimento biográfico por meio da criatividade). Algumas das mais famosas biografias literárias são "Calígula" de Camus e "Memórias de Adriano" de Marguerite Yourcenar. Algumas vezes, esse gênero biográfico vai para o lado do extremamente fantasioso, por conta das poucas informações reais da personalidade e da alta criatividade do escritor; esse é o caso da maioria das obras sobre o Rei Arthur.

Biografia/Memória Ficcional: Funciona de forma similar à Biografia Literária, só que cria-se um personagem fictício e escreve-se como se fosse uma biografia real. Os maiores clássicos do gênero são "Os Sofrimentos do Jovem Werther", "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Memorial de Aires". Há também quando se cria a biografia de um personagem fictício de outra história, como é o caso da Biografia do Seu Madruga ou Dr. House. E uma terceira variação é o de misturar personalidades reais (geralmente escritor) com personagens criados, como é o caso de "A Morte de Haroldo Maranhão" e "Memorial do Fim" (de Haroldo Maranhão) ou "Lotte em Weimar" de Thomas Mann.

E por fim a literatura com forte presença da biografia do autor. Nesse caso não há biografia; o que há é que a obra em questão é muito influenciada pela biografia do autor, como é o caso de "Memórias do Cárcere" de Graciliano Ramos e boa parte da obra de Simone de Beauvoir. Não vou me ater a essa literatura específica.

E por fim, vou colocar minhas escolhas pouco ortodoxas novamente e explicar o porquê delas. Na minha lista principal, consta o livro "Diário da Ilha", que é um livro de crônicas de viagem, que conta a história da escritora no período que ela passou nas ilhas gregas. O segundo livro é "Memórias de Adriano", que é uma biografia literária, ou seja, é uma criação literária baseada em uma personalidade real e acontecimentos biográficos reais. O 3º livro (Resistência) é um livro de memórias no sentido tradicional. Na minha lista de bônus consta os "Diários" de Sontag, que é um diário real, e portanto, uma supra-autobiografia (se posso chamar assim). O 2º Bônus é o livro "Memórias Póstumas de Brás Cubas" que é o maior clássico brasileiro de Memória Ficcional. O último livro também é um livro de memórias no sentido tradicional, com o diferencial que o escritor conta suas memórias sobre outra pessoa, o que é deveras interessante. Como já li o livro de Machado de Assis (e ele está como bônus), só para esse desafio lerei 5 livros.

LISTA
Titular: Diário da Ilha - Lindanor Celina.
1º Reserva: Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar.
2º Reserva: Apologia de Sócrates - Platão.
2º Reserva: Resistência - Agnès Humbert

BÔNUS

Diários - Susan Sontag
Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis
Pranto Por Dalcídio Jurandir - Lindanor Celina


Curiosidade: O maior clássico da literatura portuguesa (Os Lusíadas de Camões), possui uma série de referencias biográficas, principalmente nos cantos III e IV, onde Vasco da Gama conta a história dos reis de Portugal (dentre elas, o episódio de Inês de Castro). Provavelmente, Camões recorreu aos textos dos Crônistas, e em particular, Fernão Lopes.

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