segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Clarice Lispector - Laços de Família

Clarice Lispector é uma das mais importantes escritoras brasileiras (mesmo tendo nascido na Ucrânia). Ganhou duas vezes o prêmio Jabuti e é considerada por muitos como a maior romancista do Brasil com romances marcantes como: "A Paixão Segundo GH" e "A Hora da Estrela". Morreu no final da década de 70, no Rio de Janeiro.
Embora Clarice tenha ganhado renome no romance, é no conto (segundo minha humilde opinião) que ela mostra todo o seu potencial inventivo e todo o poder de sua escrita. Considerando isso, "Laços de Família" é talvez a sua maior obra.

Para percebermos a genialidade da autora, é bom remontarmos o período literário em que ela viveu. A literatura era predominantemente denominadas como regionalista (e como isso não é um tratado científico, não vou perder meu tempo analisando todas as implicações desta palavra, embora eu não concordo com o seu uso), sendo que os grandes escritores dessa época descreviam em suas obras o ambiente destrutivo dos personagens e as condições de vida de seus personagens. Os maiores nomes desse período são: João Guimarães Rosa (MG) e Dalcídio Jurandir (PA), ambos ganhadores do Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra, e ambos extremamente estudados até hoje no Brasil e no exterior.

Em Clarice Lispector o foco narrativo é outro. O texto de Clarice mostra o quotidiano, entretanto, o quotidiano de Clarice é metafísico, e nos faz refletir sobre o nosso próprio. Em "Laços de Família", os personagens que estão ligados por seus laços familiares estão enredados uns aos outros e têm seus conflitos existenciais mostrados na narrativa.

Em "Devaneio e embriaguez duma rapariga", a esposa sonhadora fica a devanear no momento em que se encontrava sozinha em casa, e em uma festa, fica enciumada com a beleza de outra mulher, até chegar em casa e repensar sua condição de mulher, sua sensualidade e o desejo que pode provocar nos homens. É um conto muito bom, e carrega consigo algumas reflexões, porém é logo ofuscado pelo conto "Amor" que vem em seguida. "Amor" é talvez o melhor conto da literatura brasileira da década de 50 até os dias de hoje (há alguns melhores anteriores, como Teoria do Medalhão, Adão e Eva e Missa do Galo de Machado de Assis), e foi o primeiro conto de Clarice que li (ano passado em uma palestra sobre Guimarães Rosa). "Amor" é cheio de implicações existencialistas e de ordem social, nos faz pensar sobre vários aspectos da vida e sobre a condição social (imposta?). Tudo em "Amor" é motivo para reflexão, e todas as ações aos nossos olhos "comuns", ganham um ar de de magnífico nas mãos de Clarice. Não quero estragar a leitura falando a história desse conto, entretanto, fica aqui dois trechinhos para dar água na boca:

"O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação pertubada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e escolhera" (p. 20)

"E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. (...) O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam." (p. 22)

Após "Amor", vem outros contos interessantes como "Galinha", que é divertido, porém não perde a seriedade temática do livro. "A Imitação da Rosa" é outro conto genial que nos dá muito a refletir sobre a perfeição e sobre o Egoísmo x Comportamento social. "Feliz Aniversário", o conto que se segue, é talvez o mais famoso de Clarice, pois está presente em mais 3 livros de contos que tenho aqui em casa, também é muito bom, e me lembra o pensamento de Nietzsche em seu "Assim Falava Zarathustra", onde o filósofo diz que não é só reproduzir ou procriar uma criatura inferior, porém criar sempre algo mais. As queixas do filósofo são as mesmas da D. Anita, há um quê de Darwin no conto. Mesmo sendo mais famoso, considero "A Imitação da Rosa" muito mais interessante em todos os sentidos (literariamente, filosoficamente e esteticamente).

Outros contos do livro que merecem muito destaque são: "A Menor Mulher do Mundo", "O Crime do Professor de Matemática" e "O Búfalo", onde mais reflexões animalescas estão presentes. As reflexões de "O Búfalo" são até um pouco assustadoras, mas não tanto quanto "A Menor Mulher do Mundo" se analisarmos a crueldade social. Misteriosamente, o conto que dá título a obra (Laços de Família) fica meio ofuscado no meio da obra, não sendo nem tão famoso, nem tão genial quanto outros contos do livro (mais ainda assim é um excelente conto, e ainda assim genial). Outros dois contos que me impressionaram foram "Preciosidade" e "Começos de uma Fortuna", esse último, por algum motivo que não compreendi direito, acabei me identificando com o personagem principal Artur (não, não passei pela mesma situação).

Por fim, fico feliz que as pessoas de língua inglesa possam ler esse livro, pois, foi traduzido por Giovanni Pontiero e está disponível parcialmente aqui e nas livrarias saraiva. Ainda não analisei essa tradução, mas espero que não haja nada de errada com ela.

Nota do Elaphar: 9,8

Edição Lida:
LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Ed. com base na 1ª ed. da Francisco Alves. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, 135p.

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